MESA: lugar
da solidariedade e do encontro
“Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te
no último lugar” (Lc 14,10)
Em nossa sociedade há um complexo sistema de
normas de protocolo através das quais cada um deve se situar, observando uma
rigorosa hierarquia na posição social ou religiosa, segundo seu “status” ou
impor-tância. Isso revela o afã que o ser humano tem de sobressair-se, de
brilhar, de competir, de sentir e de querer estar por cima dos outros. Conviver
com este desejo egocentrado parece tão natural que nem percebemos sua presença,
em nosso interior e à nossa volta. Basta estar atento ao que acontece nos
eventos sociais: casamentos, homenagens, festas...
Sabemos que o ego se move sempre a partir de suas
necessidades; dentro dessas necessidades, a mais básica provavelmente seja a de
“ser reconhecido”, que se expressa na necessidade de “ser o primeiro” e de
buscar que tudo gire em torno dele e de seus interesses.
As palavras de Jesus abordam
precisamente estas questões: quê lugar busco?; o que me move a fazer as coisas
que faço?; quê interesses estão envolvidos?...
O ego busca “os primeiros
lugares”: sonha em se destacar, ser visto, sentir-se reconhecido; ama o aplauso
e os gestos de admiração em sua passagem; encantam-lhe as roupagens especiais e
os sinais distintivos de sua valia; quer ter sempre razão e busca impô-la aos
outros.
Frente a esta tendência, a palavra de Jesus vai
à raiz: trata-se de des-identificar-nos do ego. Não somos essas necessidades, não
somos o ego com seus interesses. Quando nossa identidade original emerge, deixa-mos
de viver para o ego. Só quando nos vemos em profundidade, somos transformados.
Quando des-velamos e experimentamos nossa
verdadeira identidade, nosso ego inflado cai e se esvazia. E com ele, se
esvaziam também aquelas necessidades ridículas que guiavam nossa vida.
Jesus acaba com todo tipo de
protocolo, convidando os seus seguidores à sensatez e ao sentido comum. O
conselho de Jesus deve converter-se em prática habitual do cristão.
O lugar do discípulo, do seguidor de Jesus é, por livre escolha, o
último lugar.
Suas recomendações no Evangelho
de hoje mostram as regras de ouro do protocolo cristão: renunciar a
considerar-se importante, convidar aqueles que não podem retribuir, dar
preferência aos outros, convidar para sentar à mesa da vida aqueles que foram
excluídos pela sociedade.
As palavras de Jesus são um
convite à generosidade que não busca ser recompensada, a celebrar a festa com aqueles
com quem ninguém celebra e com aqueles de quem não se pode esperar retribuição.
O cristão ocupa o último lugar
para que não haja “últimos” nem excluídos; optar pelo “último lugar” é
denunciar, com delicadeza e ternura, toda hierarquia desumanizadora.
Maravilhoso gesto que revela a única aspiração daquele que se inspira em Jesus:
a de construir um mundo de irmãos, iguais no serviço mútuo.
Quem assim vive merece uma
bem-aventurança que vem se somar àquelas outras bem-venturanças do Sermão da
Montanha: “Então
tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir”.
À luz das considerações acima, preparar a mesa
e fazer a refeição com os outros implica todo um ritual. Comer é mais do que
ingerir alimentos, é entrar em comunhão com as energias que sustentam o
universo e que, por meio dos alimentos, garantem nossa vida.
Por isso, a mesa, a ceia e o banquete
são cercados por uma rica simbologia. O próprio Reino de Deus, a utopia de Jesus, é apresentado como uma ceia
ou um banquete na casa do Pai.
O Deus que Jesus revela é Aquele
que desce das alturas, entra nas casas, toma assento junto à mesa, come
com as pessoas, serve-lhes o pão. Na intimidade da mesa, Ele restitui
aos excluídos a dignidade e a auto-estima, pois eles são os preferidos do Reino
da Festa.
“No Filho” o Pai é que entra na casa deles e
come com eles; estabelece novas relações; perdoa-lhes, acolhe-os com compaixão
e misericórdia, sacia-lhes a fome...
Os que tinham coragem de se
sentar à mesa com Jesus, não podiam mais sair do mesmo jeito, pois a mesa
do pão compromete com o pão, a justiça e o amor.
A chave
de acesso ao mundo sagrado da mesa é
sempre a relação com o outro. Para esse centro converge o ser humano em busca
do alimento, para renovar suas energias, tomar novo impulso... descobrir-se humano.
É junto à mesa que se dá o processo de humanização e comunhão.
O nosso hábito de fazer refeição também revela traços de
nossa personalidade e de nossos comportamen-tos cotidianos. O nosso modo de
estar à mesa revela nossas habituais atitudes no relacionamento com os outros.
A mesa é também lugar de denúncia de nossos fechamentos, de nossas
pressas, de nossas resis-
tências ao diálogo, de nossos medos, de nossa dificuldade
em acolher o diferente...
Com isso, percebemos que nem todo encontro de
refeição alcança a sua finalidade, a sua ressonância positiva em nós humanos. A
mesa pode ser corrompida, torna-se o lugar de rupturas, de frieza e de
competição. É claro que a “culpa” não é da mesa; ela faz a sua parte: a mesa
é sempre oblativa, acolhe-dora, congrega as diferenças, impele ao serviço...
Mas, nem sempre, nossa resposta é de gratidão.
Há mesas para tudo; mesas
solitárias, mesas da corrupção, do poder, da exploração..., tudo o que envolve
interesses, seduções, vaidades... A frieza tomou conta das relações em torno à
mesa; a ausência da ritualidade aumentou a distância entre seus participantes.
Há uma verdadeira profanação da mesa ao ser transformada em lugar de conchavos sujos,
negociatas interesseiras, tramas maldosas.
Devemos
recuperar o sentido da mesa como um altar
que deve ser preparado e ornado com carinho, para ser digna de realizar a sua
missão sagrada, pois sagrados são também aqueles que dela se aproximam, se
apoiam e se reclinam sobre seus dons. A mesa é um sinal de comunhão; ao
mesmo tempo que ela sinaliza, ela realiza aquilo que sinaliza, ou seja, a inter-comum-união.
Ela não
é agente passivo, mas construtora de novas possibilidades de vida. A refeição
em torno da mesa representa um ato comunitário e reforça nos participantes os
laços de humanidade, de compaixão, de mútua confiança e de comunhão. Por toda
esta carga de simbolismos, a mesa não pode ser posta de qualquer
maneira; a sala que ostenta a mesa deve ser um local aconchegante e
íntimo, para realizar o milagre do diálogo.
A mística da mesa da
refeição, convida, convoca e se coloca na vida do ser humano como fator deter-minante
de sociabilidade, de valores e equilíbrios sociais, enfim, de humanização.
Nela e com ela aprendemos a
acolher o outro como dom. Aprendemos a nos doar, a partilhar, a receber,
a escutar e a falar, a contemplar o outro em sua singularidade. A mesa é
também o lugar onde acolhemos a dor e as tristezas do outro, com quem
partilhamos nossa refeição. A mesa-refeição, portanto, é o lugar do
suporte das relações, espaço que garante o sustento, que alimenta o corpo, o
emocional, o psíquico, o espiritual e o social. Lugar humano e fecundo,
onde o imprevisível pode acontecer.
Texto bíblico: Lc
14,1.7-14
Na oração: Que maneiras – consciente ou
inconsciente – tem meu coração para levar-me a buscar os “primeiros lugares”?
-
quando convido alguém à minha mesa, o faço pensando na recompensa que me poderá
devolver?
-
Qual a compensação afetiva que espero?... Qual minha “agenda oculta”? O que
espero “ganhar ou perder”?
-
Quê lugar ocupa a mesa da refeição em minha casa?