AS
RIDÍCULAS TORRES E GUERRAS DE NOSSA VIDA
“...qualquer um de vós, se não
renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo”. (lc.14,33)
Trata-se de uma atitude, uma postura, uma entrega.
E a palavra é “tudo”.
O discípulo pela metade não pode ser discípulo de Jesus. O seguimento
pede sinceridade na vontade e verdade
no coração. Jesus não pode se contentar com “amor a prestações”, com
retalhos de vida. Não servem as entregas
pela metade.
A entrega parcial não é entrega. O apego a algo ou alguém, que
divide a afeição com Deus, anula o resto da entrega e torna impossível que
nossa relação com Ele cresça, se desenvolva e plenifique nossa vida.
Deus não pode compartilhar nosso
coração com ninguém. Ele é o Senhor absoluto de nossa vida. A entrega total ativa todos os nossos
recursos, desperta nossas faculdades e incendeia nossa fé.
A fé, se é verdadeira, lança-se por inteira, sem dúvidas e sem
reservas.
Esta é a atitude genuína e
verdadeira diante da vida. Esta determinação é a que abre caminho, nos faz avançar
em direção à meta do Reino.
Na experiência humana ressoa, desde sempre, a
marca ou o chamado a transcender-se, a ir além de si mesmo. O seguimento de Jesus pressupõe a pessoa
capaz de sair de si mesma, de descentrar-se. Deixar ressoar a voz do chamado no
próprio interior implica um investimento de toda a pessoa.
Estamos inseridos numa cultura
onde as entregas são vividas pela metade, as opções são de fôlego curto e os
projetos não tem consistência.
Vivemos a chamada “cultura
líquida” onde tudo parece que nos escapa das mãos. Não há solidez nas decisões
ou as decisões são apressadas e superficiais, porque o horizonte está obscuro.
As duas breves parábolas, no evangelho de hoje,
constituem um toque de realismo: “calcula tuas
forças
porque só poderás chegar à meta se te
entregares com determinação”.
Jesus não impõe nenhuma condição, não quer
gente que busque carreiras ilustres (para construir torres, para ganhar
guerras...). Quer pessoas que sejam capazes de descentrar-se, de renunciar ao
próprio ego, de desapegar-se daquilo que as atrofia e as limita, para investir
numa proposta de vida que dá direção e sentido à sua própria existência.
Este é o lema de Jesus: renunciar
a tudo para partilhar tudo.
O mundo está cheio de homens e
mulheres que querem construir suas próprias torres, à custa dos outros, para
isolar-se nelas; e de outros que querem jogá-las abaixo para poder construir as
suas torres. Pura competição de torres (competição de egos). O mundo está
cheios de “reis”, de “egos inflados” que querem ganhar guerras, que compactuam
com o poder, a vaidade, a riqueza... Quantas guerras são realizadas em nome da
religião, pensando servir a Deus! Quanto “poder religioso” que se impõe às
consciências das pessoas, alimentando sentimentos de culpa e desumanizando-as!
Quanto investimento pesado em “guerras internas” que desgastam e afundam num
combate estéril.
Mas Jesus não precisa de torres, não tem que
ganhar nenhuma guerra. Nós também não. Mas queremos segui-lo. Pois bem, para
estar com Ele temos de “renunciar a
tudo”, para
poder “ter tudo”, de outra maneira, em gratuidade. Sobram-nos muitas coisas,
muitos planos; sobra-nos o desejo de segurança e de viver à custa dos outros.
Por isso nos falta comunhão, gratuidade e vida fraterna.
Somos construtores de torres desde o grande
relato de Babel. Cada um faz sua torre, todos juntos queremos fazer a grande
torre da cultura mundial capitalista e neo-liberal, que é contada e medida com muito
dinheiro e poder
Mas, temos “dinheiro” suficiente
para fazer uma torre onde nos resguardamos e nos protegemos para sempre? A
terra está cheia de ruinas de torres caídas. Entre elas caminhamos, sem nos dar
conta de que logo também nossa torre cairá. Investimos em torres e guerras
ridículas com a ilusão de alimentar nosso ego: auto-imagem, vaidade,
aparência... Tudo ilusão, a queda será retumbante.
Todas as torres cairão; não temos
refúgio e segurança definitiva neste mundo. No “descampado” estamos, junto com
os outros, vivendo a comunhão em gratuidade; assim viveremos, assim morreremos,
assim esperamos ressuscitar.
A perseverança
tenaz para conservar o rumo nos desertos da vida é necessária para chegar ao oásis
final.
Este é o caminho do Seguimento. Jesus quer
seguidores com liberdade, com decisão e responsabilidade.
Para isso é preciso “renunciar a tudo” para
ser pessoas, em amor e partilha. “Renunciar a tudo” para que todos possam ter,
para que todos possam compartilhar fraternalmente tudo.
O que significa “renunciar a tudo” e
desapegar-se dos seres mais queridos? Significa sair da visão egocentrada,
nascida da crença errônea de que somos o ego. Talvez pudesse ser expresso desta
forma: “Deixa de crer que és o eu
separado (e fechado na torre) e descobrirás a riqueza de tua verdadeira
identidade; não vejas nem sequer a tua família a partir do ego, porque sofrerás
e farás sofrer; contem-pla-os a partir de tua verdadeira identidade, onde todos
sois um, mas sem apego nem comparações”.
Não é a renúncia o que nos salva, mas o desenvolvimento e a expansão da
vida em direção à plenitude.
A renúncia é sempre lícita e
aconselhável quando se faz por algo melhor. O apego às coisas ou às pessoas
impede-nos de mover com facilidade. Perdemos o fluxo da vida e o impulso do
movimento, a suavidade do “deslizar pela existência”. Na vida cristã, o
seguimento é questão de sedução, de paixão, de atração, de coração...; isso
significa que Jesus Cristo é de fato o “amor
primeiro”, aquele que antecede a qualquer outro, de maneira especial o amor
aos familiares. Daí nasce a harmonia interior. Quando o
seguimento torna-se o eixo central, todos os elementos de nossa vida, todas as
afeições, todas as potencialidades do espírito, encontram-se em “seus
lugares”, estabelecendo uma deliciosa experiência de paz. Os afetos
“orientados” e “ordenados” à pessoa de Jesus, cria um novo referencial, um novo
centro afetivo.
“É
necessário ter um importante objeto de amor
para abandonar antigos amores”.
Em resumo, trata-se de ordenar
o amor, para que amemos com um amor
operativo, oblativo...
Portanto, para que haja “modificação afetiva” é
necessário investir numa relação personalizante, ali-cerçada
na pessoa de Jesus Cristo e nos valores do Reino. Só há transformação efetiva
se houver impacto no mundo afetivo. Para mudar afetivamente é necessário “alguém”
que possa despertar em nós um impacto afetivo. Existem dinamismos
interiores que podem atrofiar ou expandir o seguimento de Jesus.
Se seguimos Jesus que nos seduz
por sua verdade, sua personalidade, sua ternura, suas atitudes perante as
pessoas e instituições, sua liberdade, sua presença compassiva, sua coerência
na verdade e no amor..., seremos “afetivamente impactados”. E a
afetividade ordenada nos fará livres; a liberdade, por sua vez, possibilitará
uma abertura a um horizonte de sentido; será movimento para..., nos fará ir
além de nós mesmos.
Nesse sentido, no processo de
seguimento, a pessoa inteira é mobilizada: corpo, mente, afetividade, coração,
sensibilidade...
Texto bíblico: Lc
14,25-33
Na
oração: Escolhe
e decide. Escolhe teu Senhor e serve-o fielmente.
Não duvides, não adies,
não esperes. Desterra as meias-medidas de tua vida e decide-te fazer as coisas
com plenitude, sobretudo as coisas de Deus. É isto que Ele espera.
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quais são seus “amores” (afetos desordenados que exigem alto investimento) que
fragilizam e atrofiam o seguimento de Jesus?