Teológico Pastoral

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sexta-feira, 8 de abril de 2016

3o. Domingo da Páscoa - 2016

RESSURREIÇÃO: o fracasso como possibilidade de um salto vital

“Sairam e entraram no barco, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3)
“Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua roupa e atirou-se ao mar” (Jo 21,7)

Os discípulos, depois da morte de Jesus, voltaram de Jerusalém à Galiléia, onde tentaram retornar à normalidade da vida. Para eles, a história de Jesus tinha acabado. O seguimento desembocara no fracasso.
Estava na hora de retomar a vida que levavam antes de conhecer Jesus.
Simão Pedro anuncia que vai voltar a fazer o que sempre fazia: pescar. Os discípulos que o acompanham estavam ansiosos para participar da pesca. Voltar a pescar vai fazê-los esquecer o que lhes aconteceu.
Mas não funciona. Por mais que tentem voltar a uma vida normal, as coisas não dão certo.
Sentem-se frustrados diante do esforço e das diversas tentativas, mas não pescam nada.

As pessoas que passaram por um grande trauma entendem o que Simão Pedro e os discípulos sentem.
Querem afastar-se o mais depressa possível da dor que suportaram e dos horrores que presenciaram. Tentam juntar os cacos de suas vidas e se entregar ao jeito comum de fazer as coisas. Querem esquecer o que lhes aconteceu e se deixar conduzir pelas rotinas bem conhecidas da vida cotidiana.
Mas as repercussões da dor e do trauma continuam a martelar em suas vidas, atormentando-os durante o dia e perseguindo-os à noite. Coisas comuns provocam lembranças de um passado ainda doloroso.
Passam a noite inteira se esforçando cada vez mais, porém sem sucesso. As redes estão vazias.
O barco no mar de Tiberíades pode não estar carregado de peixes, mas os discípulos levam consigo os pesados fardos de seu passado. Livrar-se desses fardos é uma experiência longa e difícil.

Nasce o dia. Um “estranho” aparece na praia e pergunta-lhes a respeito da pesca. Diante da resposta negativa Jesus pede para lançar a rede do “outro lado”  do barco.
Em seus esforços estéreis para escapar do passado e reiniciar uma vida comum, os discípulos tinham pescado, quase obsessivamente, no mesmo lugar e do mesmo modo. Repetição compulsiva do passado.
Buscam, através da pesca repetitiva, a libertação do trauma, mas não a encontram ali.
A indicação do estranho para que procurem pescar em outro lugar ajuda-os a romper o ciclo da obsessão.
De repente, os olhos do “discípulo amado” se abrem e ele reconhece quem é o estranho. Esse olhar contemplativo contagia e todos se libertam da obsessão cega de encontrar, no retorno ao passado, o alívio para suas angústias: conseguem reconhecer quem estava na praia.
No meio do fracasso revela-se a presença do Ressuscitado.
E é Ele que, num gesto de hospitalidade, prepara a refeição, na praia, para os seus discípulos.

Os êxitos e os fracassos tecem a trama da nossa existência. Ambos são inerentes à natureza humana; eles se sucedem em muitos momentos ao longo do ciclo da vida; outras vezes se combinam e aparecem juntos.
Êxitos e fracassos expressam nossa potencialidade e nossa limitação, nossa grandeza e nossa fragilidade; formam parte da engrenagem do viver.
Decidimos que uma ação é um êxito ou um fracasso em função de nosso sistema de crenças, valores e exigências. Falamos de fracasso quando nossas expectativas, projetos ou aspirações não chegam a realizar-se ou a cumprir-se como esperávamos; falamos de êxito quando chegamos a cumprir nossos projetos segundo nossas expectativas.
Êxitos e fracassos são como que balizas em um caminho que podem contribuir para que a vida seja vivida em plenitude; os êxitos enquanto que motivam, inspiram, alentam e reafirmam o sentido que uma pessoa atribui à sua existência, às suas opções e aos seus atos; os fracassos, quando se convertem em ocasião para retificar, refletir ou mergulhar mais profundamente na busca desse mesmo sentido.
O êxito e o fracasso possuem essa qualidade de crisol no qual se forjam as vidas e as pessoas.
A vida é constituída de momentos de luta e de coragem, de sonhos e de esperança, de vitória e de derrota. Este é o material com o qual são construídas as histórias e as vidas.

Nossas experiências de êxito e de fracasso são indispensáveis para viver. As primeiras trazem valor, alimentam a confiança em nós mesmos, recompensam nosso esforço. As segundas nos revelam aspectos novos de nossa pessoa, nos ajudam a recapacitar, a mudar, a redirecionar  o sentido de nossa existência. Tão importante é dialogar e conviver com nossos êxitos como com nossos fracassos.
Êxito e fracasso constituem uma dessas realidades humanas que parecem estar abertas e revelar o melhor e o pior do ser humano. Há aqueles a quem o êxito os transforma em pessoas prepotente, soberbas, insuportáveis; há outros, no entanto, a quem o êxito os transforma em pessoas encantadoras, seguras de si, simpáticas, empreendedoras...
Existem também pessoas a quem o fracasso as afunda num abismo de impotência e agressividade, e outras a quem as converte  em seres incrivelmente sensíveis, compassivos, humildes, resistentes...

Em um horizonte de sentido, o fracasso tem seu lugar.
Ele tende a nos deprimir, mas também pode ser uma ocasião para nos fazer mais humanos e humildes.
Ele pode ser percebido como chance para crescimento ou amadurecimento, pode ser integrado à luz de outras experiências positivas. O fracasso pode ser ocasião para ativar outras potencialidades internas. Aprendemos mais pelos nossos fracassos do que pelos nossos êxitos.
Segundo C. Jung, o maior inimigo da transformação é uma vida bem sucedida.
O fracasso, que em muitas ocasiões nos provoca medo, insegurança, mal-estar... é um espaço perfeitamente adequado para iniciar o movimento para uma maior maturação.
Mais ainda, muitas vezes são os fracassos que nos levam a iniciar uma mudança em nossas vidas, eles se revelam como uma ocasião privilegiada para um “salto vital” em direção a um horizonte maior de sentido para a própria existência.
Os fracassos nos revelam aspectos novos de nós mesmos e ajudam a nos conhecer mais.
“Há coisas que não se compreendem enquanto não se esteja definitivamente derrotado” (Péguy)
A experiência dos fracassos nos une a todos, nos iguala, é fonte de comunhão... Graças a eles vamos quebrando, pouco a pouco, nosso instinto de posse, nosso auto-centramento, nossa soberba...

O fracasso não é a última palavra; a última palavra é a Ressurreição.
O Ressuscitado que se revela presente nas “praias de nossa vida”, também nos espera nos fracassos, assim como esperou seus discípulos na pesca fracassada, com uma presença acolhedora, compassiva,  faci-litadora de uma refeição simples, carregada de amizade e humanidade.
Tais fracassos, re-vividos à luz da Ressurreição misericordiosa, nos fazem mais humanos, mais agradecidos, mais confiados... e despertam um novo dinamismo e uma nova criatividade diante dos desafios da vida; é aqui que somos chamados a comprovar a nossa fidelidade, a ver o que trazemos nas entranhas e no coração.
Através dos fracassos reconhecemos que só o Ressuscitado é capaz de reconstruir relações quebradas e nos lançar a uma nova missão: “Apascenta minhas ovelhas”.

Texto bíblico:  Jo 21,1-19

Na oração: A experiência da Ressurreição não é algo reduzido a momentos
                   particulares da vida.
A Ressurreição e o Ressuscitado são realidades chamadas a iluminar e dar sentido à nossa vida inteira. Aqueles momentos agradáveis e aqueles momentos de desilusão; aqueles momentos plenificantes e aqueles nos quais tudo parece carecer de sentido; aqueles momentos de lucidez e aqueles momentos onde a obscuridade prevalece.
- Como você reage diante dos seus fracassos? Percebe neles uma ocasião privilegiada para um salto vital?



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