Teológico Pastoral

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

SOMOS SERES TRANSFIGURADOS..., E NÃO SABÍAMOS”


“Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29)

O relato da Transfiguração não é crônica de um fato histórico; é, muito mais, a experiência de fé dos discípulos que, com toda certeza, perceberam em Jesus uma “transparência”  ou “profundidade” que os impactou profundamente.
Podemos expressar numa frase o significado do relato: “Jesus é transparência do divino”. Por isso, podemos dizer também que Ele é um homem transfigurado. Jesus viveu constantemente transfigurado.
A transfiguração não foi um fato isolado na vida do Mestre de Nazaré, mas o ‘estado habitual de seu ser’. Mas foi durante sua oração no monte que Jesus deixou transparecer sua identidade mais profunda e escondida; algo que os seus discípulos não podiam captar no ritmo da vida cotidiana.

Quê fazia de Jesus um “homem transfigurado?” Era sua bondade, sua compaixão, sua autenticidade, sua integridade e coerência, sua liberdade, seu projeto de vida, sua relação com o Pai...
Ou seja, o que há de divino em Jesus está em sua humanidade. Só no humano transparece Deus.
Jesus nos dá a medida do humano: ser pessoa compassiva e comprometida com os demais. É precisa-mente na condição humana de Jesus onde podemos conhecer quem é Deus e como é Deus.
Mais ainda, é na entranhável humanidade de Jesus onde compreendemos a profunda e desconcertante humanidade de Deus.
Sua humanidade e sua divindade se expressavam cada vez que Ele se aproximava das pessoas, especi-almente as mais excluídas e sofredoras, ajudando-as a reconstruir a própria humanidade ferida.
Sua humanidade levada à plenitude é Palavra definitiva. Por isso, é preciso “escutá-Lo”.
Escutar o “Filho amado” é transformar-se n’Ele e levar uma vida comprometida, semelhante à d’Ele, ou seja, empapar-se do “modo” como Ele humanamente viveu.

A Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós. Ela nos revela também nossa identidade e nos faz caminhar em direção à nossa própria humanidade.
Por isso, uma pessoa transfigurada é uma pessoa profundamente humana. Tudo o que é autenticamente humano é transparência de Deus. Em outras palavras, a vivência do humano nos diviniza.
Somos todos “pessoas transfiguradas”..., mas desconhecemos essa realidade surpreendente.
Na Transfiguração, Jesus nos faz descobrir nosso verdadeiro ser, que vemos refletido n’Ele.
Jesus continua se “transfigurando” na montanha interior de cada um de nós.
N’Ele, encontramos “indicações” que nos conduzirão a essa descoberta: a vivência do amor, da compai-xão, da confiança, do silêncio, da coragem, da experiência de Deus...
A transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Transfigurar é descentrar-se e expandir-se na direção do outro. Transfigurar é ativar todas as possibilidades de vida para que ela se torne oblativa.

Tal experiência também nos confere um “olhar contemplativo” que nos faz descobrir que toda realidade já está “transfigurada”. Seguramente reacenderá em nós a capacidade de admiração, de assombro e de contemplação, para ver as pessoas e “todas as coisas criadas” para além do meramente superficial.
O olhar habitual de nosso contexto pós-moderno não é precisamente esse, mas outro, caracterizado pelo imediatismo, pragmatismo, interesse e voracidade. Em tal contexto há tanta superficialidade e tanto narcisismo que a vivência da profundidade, do silêncio, da admiração... se tornam estranhos para nós.
A Transfiguração possibilita cultivar um “olhar” que sabe ver em profundidade, descobrindo em cada ser humano, para além de suas aparências, um ser transfigurado, porque somos capazes de vê-lo em sua beleza e bondade originais; um olhar que sabe deixar-se impactar por tudo aquilo que nos cerca e é capaz de render-se diante do Mistério.

Nesse sentido, “subir” ao Tabor implica “descer” em direção à nossa própria humanidade. A Montanha nos “transfigura” , revelando nosso ser essencial. Todos estamos dispostos a “subir”, mas nos custa muito “descer”. Não haverá plenitude de humanidade enquanto os de cima não decidam descer, e os de baixo não renunciem subir passando por cima dos outros.
Não se trata de ter a antena dirigida ao céu para esperar que dali venha algumas palavras para indicar o que devemos fazer. Trata-se de descobrir a voz de Deus no grito desesperado de cada um dos seres humanos que encontramos em nosso caminhar.
“Humanizemo-nos!”  Esta é a voz d’Aquele que viveu permanentemente “transfigurado-humanizado”.

Aquele Monte (Tabor) é um espaço instigante, lugar alto de experiência radical de Jesus, para ver os pro-blemas da humanidade, para senti-los, para assumi-los e mudar... Jesus nos faz subir à grande montanha para que vejamos as coisas de outra forma, de outra perspectiva...
É preciso, de vez em quando, tomar distância e nos afastar do cotidiano rotineiro e atrofiado, para ampliar nossa visão e contemplar o drama humano; é decisivo nos situar diante do calor de Deus (sarça ardente) para desvelar nossa verdadeira identidade. Somente assim a Montanha nos transfigurará para que nos empenhemos a serviço dos “desfigurados” do mundo.
A espiritualidade cristã nos possibilita fazer a síntese entre o novo e o antigo, entre a interioridade e exterioridade, enfim, síntese entre a Transfiguração do Tabor e o cotidiano da vida comprometida com os desafios do vale. Sínteses profundas que nos educam para a “liberdade dos filhos de Deus” (Rom. 8,21).
A transfiguração de Jesus é como uma parábola que nos recorda: a vocação cristã é transfigurar o tempo e o espaço. É preciso transfigurar nossas relações humanas: passar de relacionamentos interesseiros a relações afetuosas e amáveis.
É urgente transfigurar a política, transformando o poder e a gestão da coisa pública em serviço ao bem-comum. É preciso transfigurar a natureza na comunhão do ser humano com o universo.
A Transfiguração do ser humano acontece no coração de cada um que crê. É Deus que nos transfigura, “mudando nosso coração de pedra em cora-ção de carne” (Ez. 36,26).

Texto bíblicoLc 9,28-36

Na oração: Na nossa vida de seguidores de Jesus não faltam momentos de
                     claridade e certeza, de alegria de luz. Ignoramos o que aconteceu no alto do Tabor, mas sabemos que na oração e no silêncio é possível vislumbrar algo de nossa identidade interior.
A oração nos transfigura e nos faz descer em direção à nossa própria humanidade e à humanidade dos outros.
Na vida de cada um de nós, como na vida de todo ser humano, certamente encontramos tempos especiais ou momentos privilegiados, cheios de sentido, embriagados de amor, de felicidade plena. Reviver estes momentos ou tempos nos fará bem: quais foram? Como aconteceram? Como os vivemos, que sentimos, porque acabaram? * Fazer um tempo de oração revisitando em sua memória essas vivências de “transfiguração”.


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