UM “CASO
DE AMOR” COM A VIDA
“Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo” (Mt 11,4)
O Advento é um
tempo forte que nos convida a conectar com o melhor que há em nós, em
nosso coração. Conectar com o sonho de ser uma pessoa melhor, mais madura, mais
comprometida, mais aberta à realidade; conectar com as ricas possibilidades
ainda latentes em nosso interior...
Com toda certeza, no “eu mais profundo” há um “espaço
divino” onde as beatitudes originais estão presentes, esperando uma ocasião
propícia para manifestar-se. Advento é tempo especial para ativar aquilo que há
de mais nobre em nós. Estas “beatitudes” (bem-aventuranças) são um caminho
privilegiado pelo qual Deus chega até nós, possibilitando-nos viver com mais
intensidade.
Normalmente, nosso modo de viver é
estressante e o melhor que há em nós vai ficando atrofiado a cada dia.
Mergulhados no ativismo alucinante, vivemos desconectados de nossas raízes existenciais,
de nossos sonhos mais profundos, daquilo que aspiramos de verdade...
E então... quê é
Advento? Conectar com nossas melhores aspirações, essas que nos levam a
dizer: “Chega de vazio
interior! Basta de secura!!! Temos um coração que necessita água fresca de
sentimentos, de verdade, de vontade de ser de outra maneira mais humana e menos
maquinal”.
E aqui, nós que acreditamos no Deus de Jesus, conectamos
com as esperanças de homens e mulheres que, em todos os tempos, sentiram o
mesmo que sentimos e esperaram Alguém (Jesus) que viesse dar um senti-do às
suas existências, que lhes dissesse palavras de vida e que viesse trazer “vida em abundância”.
O Evangelho de hoje deixa muito claro que a mediação
entre os seres humanos e Deus é a vida, não a religião. A religião
é uma expressão fundamental da vida e deve estar sempre a seu serviço.
Como conseqüência, a religião é aceitável só na
medida em que serve para potenciar e dignificar a vida, inclusive o
prazer e a alegria de viver. Quando a religião é vivida de maneira a agredir à
vida e à dignidade das pessoas, ela se desnaturaliza e se desumaniza, e acaba
sendo uma ofensa ao Deus revelado por Jesus.
De fato, para Jesus, o primeiro é a vida
e não a religião. Ele colocou a religião onde deve estar: a serviço da vida,
para dignificá-la. Ele tomou partido da vida, contra aqueles que, a
partir da religião, cometiam todo tipo de agressão contra a vida.
Jesus se deixou conduzir pelo Espírito do
Senhor para aliviar o sofrimento humano: “os
cegos recu-peram a vista, os paralíticos andam, os leprosos são curados, os
surdos ouvem, os mortos res-suscitam e os pobres são evangelizados”. Ou seja, Sua presença consistia em dar vida
àqueles que tinham a vida massacrada ou diminuída, devolver a dignidade da vida
àqueles que eram encurvados pelo peso da opressão e do legalismo religioso.
Jesus, o biófilo (amigo da vida), tocou
as “vidas feridas” com delicadeza e ternura e as transformou.
Seus gestos terapêuticos foram o prolongamento da ação criativa de Deus; com
palavras e ações Ele inaugurou no meio de nós o Reino de Vida do
Pai. Não só optou pela vida e se comprometeu com a vida, mas fez
de sua Vida uma entrega radical a favor da vida.
Diante da questão apresentada
por João Batista “és tu que aquele que há de vir?”, Jesus não responde
diretamente. O caminho para reconhecer sua verdadeira identidade é mais vivo e
concreto: “ide contar a
João o que estais ouvindo e vendo”.
Primeiro, os
enviados de João hão de comunicá-lo o que vêem: Jesus vive voltado para
os que sofrem, dedicado a libertá-los daquilo que os impede viver de maneira
sadia, digna e feliz.
Em seguida, hão
de dizer o que ouvem: uma mensagem de esperança dirigida precisamente
àqueles mais excluídos, vítimas de todo tipo de abusos e injustiças.
Isto significa que a espiritualidade do Advento,
apresentada pelo Evangelho de hoje, funde a causa de Jesus com a causa da vida; doía-lhe a fome dos outros; doía-lhe a exclusão e a violência sofrida
pelos mais pobres; doía-lhe a vida massacrada daqueles que não tinham direito a
viver com liberdade...
Os cristãos encontram a Jesus somente na
medida em que defendem, respeitam e dignificam a vida. Só seremos seguidores d’Ele se os sofrimentos
dos outros “doerem” em nós. Este é o sentido da com-paixão: fazer
própria a dor dos outros e comprometer-se com a vida.
A espiritualidade que o Advento apresenta não é um projeto que centra
o sujeito em si mesmo, em sua própria perfeição, ou na aquisição de
determinadas virtudes, mas um projeto centrado nos outros, orientado aos
demais, com a intenção de aliviar o sofrimento alheio. É um projeto centrado na
defesa e no respeito à à vida, na luta por sua dignidade. Deste modo,
aparece claro que na espiritualidade cristã, funde-se e confunde-se a causa de Deus
com a causa da vida.
Os cegos, surdos, coxos,
leprosos, pobres e muitos outros coletivos no mundo de hoje, continuam sendo símbolos
da marginalização mais radical que afeta muitíssimos seres humanos. O texto de
hoje quer ressaltar que a chegada do Reino terá consequências para todos, mas
sobretudo para os mais excluídos, que tinham perdido toda esperança e o sentido
do viver.
Como podemos perceber, entre os
sinais da presença do Messias não há um só sinal “religioso”: nem culto, nem
rezas, nem sacrifícios... Isto nos deveria fazer pensar.
Nós cristãos, com frequência,
esquecemos que, para Jesus, primeiramente vem a vida, depois o culto; em
primeiro lugar, o compromisso em aliviar a dor humana, depois a religião.
Nem João, nem
os rabinos, nem os sacerdotes, nem os apóstolos estavam capacitados para
entender Jesus. Sua presença e atuação não se ajustavam ao que eles esperavam
do Messias. Jesus rompe com todas as concepções e esquemas mentais, desmonta
todas as expectativas, frustra uma visão...
A novidade de
Jesus é muito maior do que aquilo que podiam esperar; além disso, o que Ele
traz vai na direção contrária do que esperavam do Messias. Não vem com poder e
força; não vem impor nada, senão propor uma dinâmica de serviço e desatar a
vida travada. Jesus “tem um caso de
amor com a vida”.
Não são só os
cegos, surdos, coxos, doentes que fazem presente o Reino, mas também aqueles
que se preocupam com eles. Só as ações em benefícios dos outros fazem presente
a Deus.
Entrar na
dinâmica do Advento, significa estar dispostos a aproveitar qualquer ocasião
para fazer presente o Reino, não frustrando aqueles que esperam de nós atitudes
comprometidas com a vida.
Uma comunidade de Jesus não é
só um lugar de iniciação à fé nem só um espaço de celebração. Deve ser, de
muitas maneiras, fonte de vida mais sadia, lugar de acolhida e casa para
quem necessita de um lar.
Uma comunidade que segue o “Amigo
da Vida” deve-se constituir como “comunidade
curadora”: mais próxima daqueles que sofrem, mais atenta aos doentes
desassistidos, mais acolhedora daqueles que precisam ser escutados e
consolados, mais presente nas situações dolorosas das pessoas.
Ou seja, não é
uma comunidade que dá as costas aos pobres; pelo
contrário, conhece mais de perto seus problemas, atende suas necessidades,
defende seus direitos, não os deixa desamparados. São eles os primeiros que
devem escutar e sentir a Boa Nova de Deus.
Textos
bíblicos: Mt 11,2-11
Na oração: Se alguém nos
pergunta se somos seguidores
do Messias Jesus: quê obras em favor da vida
podemos lhes mostrar? Quê mensagem libertadora podem escutar de nós?
Quais são as marcas
características que não podem faltar em uma comunidade de seguidores de Jesus?
Nossa comunidade cristã é “curadora” e “cuidadora”?