SANTIDADE: o
DNA de Deus no coração do ser humano
“Bem-aventurados sois vós...” (Mt 5,11)
Todo ser humano deseja ser feliz, e o desejo de
felicidade é o dinamismo mais profundo que toda pessoa traz inscrita no
íntimo do seu ser. Em outras palavras, a aspiração primeira que nos habita é a “alegria
de viver”. Por isso, atentar contra a felicidade de viver é a agressão
mais grave que se pode cometer contra o ser humano.
No entanto, na experiência de fé
de muitas pessoas, a imagem de “Deus” não está associada à busca da “felicidade”. De fato, são
muitos os que vêem em Deus um autêntico rival da própria felicidade, pois costumam
relacionar Deus com a proibição de muitas coisas que lhes dão prazer e lhes
fazem felizes, ou com a obrigação de fazer outras coisas que lhes são pesadas e
desagradáveis. E, sobretudo, para muitos, “Deus” é uma ameaça, uma
proibição constante, uma censura, um juiz implacável com o código de leis nas
mãos... enfim, uma carga pesada que complica a vida, tornando-a sem sabor e sem
sentido.
Além disso, muita gente vê em
Deus a imposição de verdades que não compreende, a limitação da própria
liberdade, a necessidade de submeter-se a poderes e autoridades que lhe causam
rejeição...
E, para culminar, são muitos
aqueles cuja experiência de fé é vivida de maneira negativa, alimentando culpas,
acentuando os escrúpulos, fomentando divisões e conflitos internos,
comportamentos de caráter obsessivo, práticas piedosas carregadas de moralismo
e expiação..., e outras patologias.
É evidente que um “Deus” assim gera, nas
pessoas, sentimentos de culpa, de insegurança e de medo.
Podemos, então, compreender perfeitamente
porque muitas pessoas prescindem de Deus em suas vidas, inclusive, recusam
abertamente tudo o que se refere a Deus, à religião e aos seus representantes.
Um “Deus” que é percebido e sentido como
um problema, como uma presença que entra em conflito com nossa felicidade, por
mais que nos digam que Ele é bom, que nos ama e que é Pai, é e será sempre um “deus”
inaceitável e até insuportável. Um Deus assim não tem e nem pode ter relação
alguma com a aspiração maior que carregamos dentro de nós: o desejo de sermos
felizes na vida.
Não é fácil passar de uma
espiritualidade que fez do sofrimento e do sacrifício um lugar de redenção, de
santidade, de predileção por parte de Deus, a uma espiritualidade que integra a
busca da felicidade, não só como um direito humano, senão como um sinal do
Reino.
Falar de felicidade nos leva necessariamente a nos perguntar se é possível
ser felizes em um mundo cheio de dores, injustiças, mortes prematuras, solidão,
vida sem sentido...
No entanto, como seres humanos
não podemos renunciar à busca da felicidade. O importante é que não vivamos
esta busca de uma maneira solitária, nem que nossa busca seja à custa dos
outros ou à margem das grandes maiorias sofredoras. A isso não se pode chamar
felicidade.
A felicidade é a
busca fundamental do ser humano, o sonho da humanidade desde o começo da
história. O difícil é ter sabedoria para poder reconhecer os caminhos que nos conduzem a ela.
Nesse sentido, a liturgia da festa de Todos os Santos e Santas vem nos indicar este caminho, ao apresen-tar
o texto das Bem-aventuranças como um
programa para viver a felicidade; e
o motivo primeiro é porque todas elas são, na verdade, o caminho da santidade universal (acima e além de
toda religião, pois elas são simples e profundamente humanas). As
Bem-aventuranças são como o mapa de navegação para nossa vida; são o horizonte
de sentido e o ambiente favorável para nossa santificação, entendida como
empenho para viver com mais plenitude, segundo o querer de Deus.
A primeira “canonização”, pois,
teve lugar quando Jesus, num determinado dia, subiu à montanha e com grande
solenidade declarou felizes os pobres, os aflitos por causa do Reino, os mansos
que não recorrem à violência, os que tem fome e sede de justiça, os
misericordiosos, os que não tem segundas-intenções no coração, os que trabalham
em favor da paz, os perseguidos por causa da justiça. Todos eles(as) são
declarados felizes porque são os que mais se parecem com Deus, ou seja, deixam
transparecer em suas vidas a santidade
d’Ele. E a felicidade está justamente na vivência do chamado universal à
santidade.
A santidade é, pois, um dom recebido de
Deus, que alimenta na pessoa o desejo e a disposição de “sair de si mesma” para
viver a experiência do amor na relação com o mesmo Deus, no encontro com os
outros e no cuidado e proteção da Criação.
“Viver a partir da santidade de Deus” representa a melhor
definição da santidade cristã: reconhecer-nos como quem recebe tudo de Deus,
deixar-nos amar e guiar por Ele, assemelhar-nos
a Ele para fazer carne viva em nós os sentimentos de compaixão e misericórdia
que Ele tem com as pessoas.
Em outras palavras, a santidade significa viver
o divino que há em nós.
Só descobrindo o que há de Deus
em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade.
Todos somos santos(as), porque
nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das
pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que
somos. Somos santos(as) pelo que Deus é em nós, não pelo que nós somos para
Deus. Para Jesus, é santa a pessoa que descobre o amor que chega até ela sem
mérito algum de sua parte, mas deixa-se envolver por este amor expansivo e
passa a viver uma presença amorosa.
Na festa de Todos os Santos e Santas somos convidados a deixar semear na terra
de nossa vida o anúncio mais impressionante de felicidade que Jesus nos faz.
Como não ficar maravilhados diante das bem-aventuranças e deixar que cada uma
delas nos des-vele e nos fale d’Ele? De fato, elas são o auto-retrato de Jesus;
antes de proclamá-las, Ele as viveu na radicalidade.
As bem-aventuranças constituem a carta magna do
Reino e princípio fundamental do(a) seguidor(a) de Jesus; nela aparece a visão
que Jesus tinha e desejava para o ser humano. Este texto não é apenas uma
normativa, uma ética, mas um modo de entender a vida humana; elas oferecem um
programa de felicidade e de esperança, ou seja, elas nos ensinam a ser ditosos,
no desprendimento e na solidariedade, na pureza de coração e de vida, na
liberdade radical, na esperança... tanto no nível pessoal como comunitário.
As bem-aventuranças compartilham uma mesma visão “macro-ecumêmica”:
valem para todos os seres humanos. O Deus que nelas aparece não é
“confessional”, não é “patrimônio” de uma religião específica; não exige nenhum
ritual de nenhuma religião, senão o “rito” da simples religião humana: a
pobreza, a opção pelos pobres, a transparência de coração, a fome e sede de
justiça, a luta pela paz, a perseguição como consequência do empenho em favor
da Causa do Reino... Essa “religião humana básica fundamen-tal” é a que Jesus
proclama como “código de santidade universal”, para todos os santos e santas,
os de casa e os de fora, os do mundo “católico” e os de outras expressões
religiosas...
Texto bíblico: Mt 5,1-11
Na oração: A chave da felicidade
está em permitir que se revele o sentido da
luminosidade que se encontra no fundo de nosso ser. O que nos tira a energia e
nos torna impotentes é afastar-nos desse princípio vital que é o Divino em cada
ser.
A
santidade é luz expansiva do divino que se faz visível no “modo contemplativo”
de viver.
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Sua presença junto às pessoas é transparência da santidade de Deus?