A TIRANIA DO EGO
“Então poderei dizer a mim mesmo: meu caro, tu
tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” (Lc 12,19)
O monólogo do “homem rico”, no
Evangelho de hoje, revela que, tudo na sua vida, gira em torno do próprio eu: "meus
celeiros", "meu trigo", "meus bens". Em sua
vida, não existe espaço para Deus e para o próximo. Tudo é pensado em função de
sua satisfação pessoal: solidariedade, partilha, misericórdia são palavras
banidas de seu vocabulário.
Este homem reduz sua
existência a desfrutar da abundância de seus bens. No centro de sua vida está
só ele e seu bem-estar. Deus está ausente. Os empregados que trabalham em suas
terras não existem. As famílias das aldeias que lutam contra a fome não contam.
Ele é expressão mais
visível do dinamismo negativo que nos desumaniza: a avareza e a cobiça.
De onde vem a
avareza e a cobiça? Onde se encontra a raiz do instinto de posse?
A parábola do “homem
rico”, dominado pelo “ego possessivo”, é contada por
Jesus a partir de uma demanda de alguém que d’Ele se aproxima e lhe suplica que
resolva uma questão da partilha de bens com seu irmão, que lhe faça justiça.
Jesus sabe colocar-se em seu lugar: Ele não veio ao mundo como juiz jurídico,
legal. Como bom pedagogo, Ele parte de uma questão colocada por alguém e vai
mais além da exterioridade da situação; ou seja, Ele vai à raiz dos problemas,
que está no coração do ser humano.
Para Jesus é mais
importante desmascarar a cobiça e a avareza que nos dominam que fazer valer os
direitos na partilha da herança.
Podemos
dizer que por detrás desse impulso de acumulação se esconde uma experiência de
empobre-cimento humano. Na origem da avareza, parece existir um vazio
afetivo, uma infantil experiência de inse-gurança e, em último termo,
uma desconexão de nossa verdadeira identidade.
O vazio
afetivo “exige” ser preenchido compulsivamente: esta é a fonte da ansiedade,
que se traduz em variadas dependências, uma das quais, pode ser a afeição
desordenada pelo dinheiro ou pelos bens mate-riais. Neste sentido, a cobiça ou
avareza é esforço – inútil e estéril – de preenchê-lo.
Mais em
profundidade, a avareza, enquanto necessidade ilimitada de acumular, se explica
– como todos os comportamentos egóicos – a partir da desconexão de nossa
verdadeira identidade. O que somos – em nossa identidade profunda – é
Plenitude. Mas, quando nos distanciamos de nosso “eu profundo” ou o ignoramos,
começamos a viver como seres separados e carentes, em luta permanente e
esgotadora por dissimular aquela carência que cremos ser. Mendigamos migalhas –
“ajuntamos
tesouros para nós mesmos” – sem
reconhecer que já somos “ricos
diante de Deus”.
Esta carência
existencial é reforçada pelo ambiente no qual vivemos, marcado pelo consumismo;
a publicidade continuamente nos impõe a idéia de que só tem valor quem tem e
acumula bens e riquezas.
Nesse ambiente, cada um de nós
vai alimentando uma espécie de ego, vivendo
centrados em nós mesmos e separados do resto do mundo. Tal ego é possessivo. Muitas
vezes manifesta-se como um desejo insaciá-vel de dinheiro e de bens. Daí a
obsessão pela riqueza. Toda a nossa economia está baseada na poderosa força
impulsionadora do interesse individual. O ego exacerbado quer controlar o seu
mundo: pessoas, a-contecimentos e natureza. A partir da riqueza, ganha força a
busca do poder e do domínio sobre os outros.
O ego compara-se com os outros e
compete pelos elogios e pelos privilégios, pelo amor, pelo poder e pelo
dinheiro. É isso que nos torna invejosos, ciumentos e ressentidos em relação
aos outros. Também é isso que nos torna hipócritas, dominados pela duplicidade
e pela desonestidade.
Esse ego não confia em ninguém a não ser em
si mesmo. É essa falta de confiança que nos torna tão inseguros. Ficamos
inevitavelmente cheios de medos, preocupações e ansiedades. O nosso ego, ou
individualismo egoísta, torna-nos solitários e temerosos.
O ego não ama
ninguém além de si, atendendo apenas às suas próprias necessidades e à sua
própria gratificação. Sofrendo de uma falta total de compaixão ou empatia, ele
pode ser extraordinariamente cruel para com os outros.
Como evitar que o nosso ego nos domine e determine nossa vida?
O primeiro passo será desvelar e
desmascarar nosso ego com todas as suas maquinações e duplicidade.
Só uma pessoa
esvaziada de seu ego pode transformar-se e transformar a realidade.
O nosso verdadeiro eu está enterrado por baixo do nosso ego ou falso eu. Segundo o Evangelho a pessoa cresce e se enriquece
na entrega e na desapropriação. Porque só assim deixa refletir algo da maneira
de ser de Deus. Nisso consiste também em ser “rico para Deus”.
As
palavras de Jesus, nesse sentido, são magistrais: “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância...; a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (v. 15).
O
Evangelho não nos convida ao conformismo. O primeiro é a justiça, querida por
Deus, pregada e vivida por Jesus: que todos tenham pão, moradia, saúde... fruto
da comunhão, da solidariedade, novo nome da justiça; isso é o Reino, a Nova
Humanidade. Mas pode ocorrer que quando tenhamos o justo, o que nos corresponde
como filhos e irmãos, ambicionemos mais. Esta cobiça, pecado de raiz, nunca nos
permitirá descansar.
Na vida, todos
precisamos de algumas seguranças. E aspiramos condições dignas de vida. Mas, há
uma linha que separa a necessidade verdadeira da ansiedade imposta, a segurança
do necessário e a insegurança do excesso e do abuso. Há uma tentação muito
humana que a todos nos habita: a de ter mais, acumular sempre, apossar-se de
tudo... Parece que não nos satisfazemos nunca com aquilo que conseguimos. Tudo
revela-se insuficiente, e o impulso por acumular – riquezas, bens, relações ou
experiências – se converte em voracidade.
É
preciso estar sempre alerta para não se deixar determinar pelo dinamismo da
cobiça. Até onde chegar na acumulação de bens?
A
resposta cristã é “viver como Jesus”: viver confiados nas mãos providentes do
Deus Pai/Mãe, buscando o Reino-Utopia como o mais importante. “O resto virá por acréscimo”. A
verdadeira riqueza é investir numa única
fortuna: a do amor, do favorecimento da vida, a do des-centramento de si mesmo
em favor do serviço ao outro, o das obras em favor dos mais pobres e
desfavorecidos...
Porque “ser rico diante de Deus” não
significa ter “acumulado” méritos, mas deixar cair nossa falsa identidade,
tomar distância do ego e, pacificado e aquietado nosso interior, fazer-nos
conscientes da Ple-nitude que somos.
“Ser rico diante de Deus”
significa, antes de mais nada, descobrir a nobreza de nossa identidade profun-da,
identidade unitária e partilhada, a salvo de ladrões, enfermidades e mortes.
Trata-se da identidade pela qual nos experimentamos no “céu”, a Presença divina
que somos e na qual vivemos.
Texto
bíblico: Lc
12,13-21
Na
oração: Sabemos
da perene e escorregadia tentação – uma
mentira perigosa que aparece como
“verdade”- de so-lucionar as inseguranças e medos
de nosso eu através dos impul-sos à cobiça que se aninham em nosso coração. Há
coisas que são mentira, mas que aparecem como verdade; aí se enraíza seu atrativo.
- Dar “nomes” aos apegos que travam o
fluir de sua vida.
- Quais são suas “verdadeiras riquezas”
pelas quais investe o melhor que há em você.