O TEMPLO É A VIDA
“Expulsavam muitos demônios e curavam numerosos
doentes, ungindo-os com óleo” (Mc 6,13)
A experiência de saúde está profundamente
unida ao anúncio e inauguração do Reinado de Deus. A vida saudável pede
não só saúde física, mas saúde emocional, espiritual, integração social...
Jesus, em sua pregação e realização do Reino,
assumiu uma estratégia terapêutica que buscava fazer emergir o ser
humano sadio. Com sua presença, despertava e ativava tudo o que era sadio em
cada pessoa; esta era sua prioridade e não permitia que ela fosse solapada por
outros interesses. Ele se interessava pela saúde como processo de
crescimento da pessoa e onde há saúde o Reino faz-se presente
“Curar” e “libertar” eram
atividades prioritárias na atuação de Jesus.
As verdadeiras curas e milagres de Jesus eram,
antes de tudo, gestos de humanização evangélica, que mostravam que o dinamismo
final do Reino implicava a destruição da enfermidade e da dor. As curas eram
sinais libertadores, sinais da presença e proximidade do Reino.
Jesus não pregou saúde, mas gerou saúde,
transformando a vulnerabilidade em possibilidade e provo-cando mudanças de
atitudes e formas diferentes de viver.
Ao
acessar o Evangelho de hoje, reconhecemos essa intuição original. O horizonte
do envio dos discípu-los não é outro
que o de favorecer a vida. A
“autoridade
sobre os espíritos imundos” significa
o compro-misso em favor da vida e das pessoas, frente àquelas forças que
tendem a travar e danificar a mesma vida.
A partir
desta perspectiva, a “missão” pode reencontrar seu verdadeiro sentido. Enviados
em favor da Vida, os discípulos sabem muito bem qual é o encargo que Jesus lhes
confia. Nunca O viram governando a ninguém; sempre O conheceram curando
feridas, aliviando o sofrimento, regenerando vidas, destravan-do os medos,
contagiando confiança em Deus.
A novidade de Jesus consiste
justamente em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa
pelo Templo. Desse modo, reconhece-se a vida
como lugar privilegiado da Sua Presença.
Para Jesus o mais urgente era
remediar o sofrimento daqueles que careciam de uma vida digna e plena.
Porque o Deus que Ele nos
revelou não é o Deus que nos complica a vida com normas e leis, senão o Deus
que se humanizou para humanizar nossa vida. E assim nos indicou
que só quando nos fazemos mais humanos, nos fazemos mais semelhantes a
Ele que, para aliviar o sofrimento humano, se compro-meteu e se identificou com
os que mais sofrem.
Jesus, presença visível da misericórdia e
com a força da torrente que jorra para a vida eterna, “chama a todos
e a cada um em particular” para que toda a nossa vida esteja exposta ao seu amor
curador e a prioridade
do seu Reino relativize todo o resto.
Ele quer fazer de nós discípulos e discípulas, apaixonados por Ele e
pelo seu Reino.
Ele se aproxima de cada um de nós para curar as
nossas feridas, nos convida a ir com Ele aos lugares onde a vida está
mais em perigo e a confiar na força secreta da compaixão e da esperança
teimosa.
Ele que no grão enterrado debaixo da terra já
contempla a espiga, revela-nos as possibilidades de vida que se escondem
onde parece que a morte tenha dito a última palavra. Ele é o que dá a água
viva, o samaritano que cura as feridas, o vencedor da morte, o oleiro da nova
Criação.
Só Ele que, ao revelar seu rosto no rosto de
tantos excluídos e sofredores, é capaz de despertar o “sama-ritano”
que todos carregamos e que permanece “adormecido” em nosso interior.
Por isso, quando o Evangelho de Marcos relata o
encargo missionário que Jesus comunicou aos seus discípulos, diz que Ele lhes
deu “autoridade para expulsar demônios e
para curar toda sorte de males e enfermidades”.
É importante salientar que não se trata de uma “autoridade
doutrinal”, para afirmar verdades e condenar erros, senão que se trata
de uma “autoridade terapêutica”, para curar doenças e aliviar o
sofrimento humano. Jesus, submergindo-se no mar da dor, assume o infortúnio dos
inocentes, dos perdedores, das vítimas; Ele experimenta que o amor é paixão.
Tudo se resume em dar vida, erradicar as
dores, devolver a dignidade aos que a perderam.
Jesus, o “terapeuta do Pai”, continua
passando diante de cada um de nós, parando e fazendo um chamado que desperta
comoção e compaixão. Sua presença provocativa e seu chamado exigente colocam em
questão nosso costume de nos refugiar no mundo asséptico das doutrinas, na
tranqüilidade de uma vida ordenada, satisfatória e entorpecida, na segurança de
horários imutáveis e de muros de proteção, longe do rumor da vida que passa
longe de nós e das lágrimas, dos gritos daqueles que sofrem e morrem nas
periferias deste mundo.
Escutar e seguir Seu chamado implica abandonar
a estreiteza de nossos caminhos e deixar o nosso coração bater no ritmo dos
doentes e marginalizados, vítimas da desumanização de nossa sociedade.
O importante não é pôr em marcha novas
atividades e estratégias, senão desprender-nos de costumes, estruturas e
dependências que nos estão impedindo ser livres para contagiar o essencial do
Evangelho, com verdade e simplicidade.
Como evitar que a aventura, na qual um dia nos
embarcamos, nascida de uma paixão pelo Senhor e pelo seu Reino, transforme-se
num tedioso cumprimento de normas e costumes?
Estamos, talvez, experimentando a frustração de
não ter acertado na rota da busca da vida plena e trans-bordante na qual
quisemos investir as nossas melhores energias: sentimo-nos cansados de palavras
sem significado e sentimos fome de proximidade, de presença, de compromisso.
Como Igreja, temos perdido esse
estilo itinerante que Jesus propõe. Seu caminhar é lento e pesado; não acertamos
o passo para acompanhar a humanidade; não temos agilidade para deslocar-nos em
direção à margem sofredora; agarramos ao poder e às estruturas que tiram a
mobilidade; enredamos nos interesses que não coincidem com o Reinado de Deus. É
preciso uma profunda conversão e voltar à essência do Evangelho: compromisso
com a vida.
Não estaremos desperdiçando as nossas forças
para conservar atitudes arcaicas e nos deliciamos com um estilo de vida que nos
atrofia? Não chegou, talvez, o momento de deixar de repetir aquilo que fazíamos
antes, e de abrir-nos àquilo que está diante de nós, à novidade que o Espírito
está criando?
Felizes de nós se deixarmos afetar pela
capacidade de mobilização desse Samaritano!
Texto bíblico: Mc
6,7-13
Na oração: “Abandonai
o vosso mundo de realidades virtu-
ais, sacudi a poeira
das vossas sandálias; apa-gai os computadores nos quais conservais cuidadosamente
organogramas, hábitos rotineiros, regulamentos, ativismos, visões distorcidas
da realidade... e saí pelas estradas e encru-zilhadas para escutar o rumor das
pessoas reais e para alargar a vossa vida no contato com elas. Não eviteis as
estradas perigosas, porque a novidade aparece sempre fora dos lugares seguros,
protegidos e convencionais.
A
vida que abraçastes é uma paixão, uma aventura, um risco, um itinerário que
deve ser percorrido com os olhos e com os ouvidos abertos e no qual a única
bússola que guia para a meta é a da misericórdia e a da ternura.
Deixai
que o imperativo: “Vai e faze tu a
mesma coisa” vos abale. Diante de vós estão abertos os grandes caminhos
da adoração e da compaixão, que desembocam na “vida eterna”.
Felizes
vós que escolhestes percorrê-los!”. (cf. Dolores
Aleixandre – Buscadores de poços e caminhos).