DO MEDO PARALISANTE À CORAGEM
CRIATIVA
“Jesus lhes disse: Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27)
Quando o ser humano quebrou sua aliança no Paraíso, o medo foi sua reação imediata.
“Ouvi teus passos no jardim, por isso tive medo...” (Gen. 3,10).
O medo se instalou em seu coração. E o
ser humano continuou a temer através de desertos e cidades, de dia e de noite,
no coração e na sociedade, onde quer que vivesse, fizesse o que fizesse.
Medo dos passos
de Deus e de seus próprios passos; medo
de estranhos e de amigos; medo de
seu corpo e da sua afetividade; medo
de decidir; medo de se comprometer; medo de romper as amarras do passado; medo do novo; medo de viver e de morrer...
Uma longa
cadeia de medos, da primeira à
última respiração, nesta terra de sombras.
Vivemos
sob um medo constante, sentido com
maior ou menor intensidade, mas sempre presente.
Todos os medos estão inter-relacionados e,
qualquer que seja seu objeto imediato, todos tem em comum o sentimento sombrio
do perigo ameaçador.
Humanamente falando, o medo é algo tão
natural como o instinto de sobrevivência.
Evangelicamente falando, o medo é sinal
de que ainda não entramos na dinâmica do Reino, no caminho de Jesus; o medo nos
faz refugiar numa fé alienante, que não arrisca nada, que não se compromete com
nada, que não vai mais além de nós mesmos, de nossa auto-realização narcisista.
Os medos não costumam apresentar-se de
rosto descoberto; mascaram-se, porque são sintomas de debili-dade; tornam-se
vergonhosos para nós. Eles se disfarçam para se tornaram mais aceitáveis.
Existem muitos medos escondidos por trás das
atitudes tirânicasde rigidez, de
perfeccionismo, de legalismo, de intransigência ou de intolerância. Recorremos
a eles para ocultar-nos e defender-nos contra o novo e o diferente.
É aterrorizante o medo das tempestades que
surgem no cenário da vida cotidiana. O medo nos empurra na direção dos
individualismos e das soluções que contemplam simplesmente os próprios
interesses.
O medo enche de sombras o horizonte,
tornando impossível uma decisão clarividente e ordenada; ele cega, agita a
imaginação e precipita juízos e decisões, criando impedimentos sérios para a
vivência da fra-ternidade e para a coragem de compreender a vida como doação de
si para o bem dos outros.
Não existe depósito de munição mais potencialmente explosivo do que os
estoques de medonas escuras
profundezas do nosso interior, mas sua influência é sentida nos nervos, no
pulso, nos músculos e na respiração.Grandes medos não aparecem com frequência; são os pequenos que surgem em
encontros diários com a realidade e minam o poder de resistência e crescimento.
Cada
atividade humana é acompanhada de uma sombra escura que desperta o medo.
Nada é
garantido, nada está seguro, e a vida sem segurança é vida marcada pelo medo.
As pessoas
ficam tensas e projetam as tensões na realidade circundante. Encaram os outros
como inimigos, e as oportunidades como ameaças. O trabalho é competição, e a
vida, um campo de batalha.
No entanto, uma coisa é sentir medo,
pois somos humanos, frágeis e limitados;outra coisa, porém, é per-manecer
paralisado com medo de arriscar e
não se aventurar por novas terras, na descoberta infindável que é a vida.As intuições mais profundas do espírito (a quebra de limites da mente e
do costume, o avanço sobre novos ideais e sonhos...) se conquistam com o
atrevimento da coragem, com a força
da fé, com a imaginação solta, com a criatividade
livre e desimpedida.
Desafiando
os medos aprende-se a ter coragem. Aceitar os medos é o caminho para tornar-se
destemido. O conhecimento da própria fraqueza é a maior força.
Cada medo não resolvido é um peso na vida. É
preciso descobrí-los, identificá-los, nomeá-los e tomá-los como são até que se
possa dissolvê-los em consciência e coragem.
Um medo
que pode ser nomeado perde o terror e a capacidade de ferir; no entanto, um medo sem nome, um fantasma sem rosto,
escuro como uma sombra e rápido como uma tempestade aumenta o pavor e paralisa
a ação.Se
aprendemos a desmascarar e a enfrentar os pequenos medos nas escaramuças diárias, diminui-se seu impacto e nos
tornamos mais sábios e fortes para lidar com os medos mais importantes.
O evangelho deste domingo nos revela que há
muitas tormentas e ameaças ao nosso redor. Em meio à tempestade levantam-se
ondas de obscuridadessem sentido, de medos paralisantes, de dúvidas angustian-tes...
Sopram outros ventos tempestuosos que nos ameaçam, arrastando tantas seguranças
que nos susten-taram, quebrando tantos salva-vidas aos quais nos agarrávamos...
Mas, em meio às tempestades urge não perder a
calma, ter a coragem de “permanecer”, não permitir que o ruído dos ventos nos
vença, que os relâmpagos nos ceguem, que as ondas nos levem...
“Permanecer” é a palavra chave: permanecer firmes
nos compromissos assumidos, nos passos que buscam abrir caminhos novos, ainda
que seja arriscado; permanecer ancorados na fidelidade a Jesus e a seu Reino e
consentir que os ventos levem todos os nossos velhos padrões mentais, ideias
fixas e atitudes petrificadas, preconceitos e tudo o que já está caduco e que
não nos impulsionam para a outra margem...; permanecer apenas com a pessoa de
Jesus e seu sonho como o melhor legado que podemos oferecer aos nossos
contemporâneos, sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem vislumbrar
um novo horizonte e um novo sentido para suas existências.
Na tempestade também é necessário “soltar
amarras e içar velas”, ou seja, atrever-se a “viver no Vento”. Aproveitar
dos “ventos contrários” para transformá-los em “ventos favoráveis” que conduzam
nossa vida para a “outra margem”. Soltar as amarras e âncoras de nossos apegos,
de nosso consumismo, de nossa prepotência, afã de domínio, fundamentalismos,
patriarcalismo, machismo... Precisamos perder o medo dos novos ventos e içar as
velas das novas ideias, das visões arrojadas,dos projetos criativos, da riqueza
da pluralidade de culturas, religiões, raças, deixar-nos mover pelo vento dos
movimentos de liber-tação (povos em desenvolvimento,
negros, indígenas, os sem terra, os movimentos ecologistas, pacifistas,
feministas...), enfim, acolher o vento que nos impulsiona em direção ao novo e
diferente...
A barca de nossa vida naufragará
na estreita calma de mares mortos se não formos capazes de desatar os antigos
nós de marinheiros que impedem içar as velas para receber os novos ventos da
história.
Durante a tormenta aprender a
recordar que depois da tempestade vem a calma, para não perder assim o
horizonte nem a esperança. Afinal, somos “seres de travessia”.
Texto bíblico:Mt 14,22-33
*Jesus
conhece a necessidade de inter-vir no mais escondido de cada um dos discípulos; ali estão alojados os mais
di-ferentes medos, que minam a força e a coragem do seguimento.
* Dar
nomes aos medos pessoais: são reais? Imaginários?